12 de fevereiro de 2011

Uma resposta fraterna ao Daniel Oliveira


















"Pueril ou irresponsável", eis o título da crónica desta semana do Daniel Oliveira no Expresso, a propósito da moção de censura anunciada pelo Bloco de Esquerda esta semana no Parlamento. Por estar ainda indisponível no site do jornal, não posso deixar aqui qualquer link do artigo citado. De qualquer forma, o seu conteúdo contém alguns pensamentos que merecem, em meu entender, ser problematizados.

Em primeiro lugar, diz-nos o comentador que a primeira premissa para a apresentação de uma moção de censura é a vontade de a ver aprovada, “caso contrário os deputados estão a brincar à política”. Primeiro erro de análise. Quando uma moção de censura é apresentada (e aqui sim está o factor vontade do proponente), a sua primeira premissa é a fundamentação invocada, que como é fácil de perceber, permite aos restantes grupos parlamentares reflectirem,de modo a tomarem uma decisão quanto à sua aprovação ou reprovação. A fundamentação de uma moção daquele tipo é, assim, a condição em que assenta a vontade dos restantes partidos. Sobre a sua “vontade” em aprovarem (ou não) a moção, nada pode, portanto, fazer o proponente (neste caso o Bloco de Esquerda). A menos que se defenda que para fazer cair o governo, se deveria apresentar uma moção em branco (a solução do CDS). Mas isso sim é brincar à política.

O que mais perplexidade me causou nesta crónica do Daniel Oliveira foi, porém, um outro argumento utilizado. Concedendo-lhe a palavra, diz ele : “Partindo do princípio de que o BE e o PCP querem ver as suas moções aprovadas, fica uma pergunta – estão estes dois partidos disponíveis para participar numa solução de governo? Não”. E mais à frente, continua o cronista: ... Ao que tudo indica, das eleições antecipadas apenas resultaria a vitória de Pedro Passos Coelho. Acham que seria melhor do que temos?”. Retomando a terminologia acima utilizada, a perplexidade advém do facto de o mesmo Daniel Oliveira ter subscrito à 12 anos um manifesto (fundador do BE- Começar de Novo) onde se definia como uma das principais bandeiras política, o combate ao rotativismo do centrão, às inevitabilidades e chantagens para o eleitorado daí decorrentes. E relembre-se sempre o seguinte: servir de bengala(em coligações ou arranjinhos parlamentares) aos principais agentes do rotativismo,PS e PSD, é dar vida e fortalecer aquele rotativismo. Mas o purismo também não é a solução, como mais à frente concluirei.

Aqui o problema da análise é de outro. É que para os 700 mil desempregados, para os cerca de 1 milhão de precários, para aqueles que recebem em média cerca de 750E, para os jovens (licenciados ou não) que não descortinam luz ao fundo de um túnel cada vez mais estreito, “esta situação dura há tempo demais”. É que a luta social para a esquerda, há-de relevar sempre mais do que a análise de sondagens. Pedir a esta grande maioria social, que opte entre Sócrates e Passos, para além de ser cada vez mais difícil, tem o efeito que se conhece: a austeridade selectiva que hoje vivemos e é, por isso, perversa para aquela grande maioria. Em último caso, colocar aquelas pessoas entre a espada e a parede, terá como resposta a abstenção.

A estratégia do Bloco em apresentar uma moção de censura neste momento é, pois, a de contribuir para a “clarificação da vida política”. Isso quer dizer que se impõe hoje, mais do que nunca, tornar perceptível ao eleitorado a bipolarização do espectro político português: de um lado os defensores da austeridade selectiva, apareceçam nitidamente na fotografia(PS/PSD) ou desfocadamente(CDS); do outro lado, os que combatem estas medidas (BE/PCP). Só dessa maneira se poderá fortalecer a luta popular. É verdade que a relação de forças é ainda claramente desfavorável para este últimos, o que lhes pode granjear por ora algumas derrotas. Acontece que, bem pior estariam se não contribuíssem para aquela clarificação (percepção da bipolarização), permitindo que PSD e CDS subissem impolutos as escadas do poder. E mais uma vez a importância da fundamentação da moção de censura: a coerência, obrigará a direita a segurar o governo se a censura se centrar nas medidas de austeridade. Afinal não foi deste casamento poligâmico (PS/PSD/CDS) que saíram os últimos orçamentos? Só com uma moção de censura deste tipo se pode censurar simultâneamente o governo e a direita.

Um último apontamento sobre os alegados “problemas de consciência” do Bloco por ter apoiado Manuel Alegre nas presidenciais, que segundo Daniel Oliveira e a maioria dos comentadores, podem explicar, em parte, esta moção de censura. Dizia aquele manifesto fundador, Começar de Novo, que o Bloco seria uma força dialogante à esquerda, rejeitando velhos sectarismo e estabeleceria, sempre que possível, pontes com a restante esquerda. Apoiar Manuel Alegre, ou votar com outros socialistas propostas que visavam fortalecer ao defender o Estado Social, foi apenas a concretização prática daquelas ideias. O erro básico de Daniel Oliveira sempre que fala das relações entre a Esquerda, em particular entre PS e BE, é o de manter sempre viva a ilusão que “um outro PS virá, mais à esquerda, socialista de verdade”. Ninguém nega que no PS militam pessoas genuinamente de Esquerda e mais do que isso, o seu eleitorado (professores e outras profissões liberais, função pública, etc ) com o seu voto, tem em vista a efectivação de políticas de esquerda. Outra coisa, é considerar que essa fracção de esquerda algum dia poderá ser verdadeiramente influente ou maioritária e portanto, dirigente.Nunca o foi, nem será. Manuel Serra e Manuel Alegre são disso exemplo.

Mal da Esquerda que se diz e quer alternativa, ficar à espera de um amanha que não virá.

1 comentário:

  1. "O erro básico de Daniel Oliveira sempre que fala das relações entre a Esquerda, em particular entre PS e BE, é o de manter sempre viva a ilusão que “um outro PS virá, mais à esquerda, socialista de verdade”." - Resumiste numa frase qual é o problema do Daniel Oliveira com esta moção: anula as possibilidades de uma coligação PS-BE.

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